1- Origem do Nome
Vamos encontrar referências escritas a respeito do nome do bairro na obra rara intitulada "História da Imperial fazenda de Santa Cruz", de autoria de José de Saldanha da Gama, publicada pelo Instituto Histórico e geográfico Brasileiro no tomo 38 da sua Revista, do quarto trimestre de 1860. Saldanha da Gama, que foi um dos superintendentes da fazenda, lembra que os jesuítas colocaram uma grande cruz de madeira, pintada de preto, encaixada em uma base de pedra sustentada por um pilar de granito. Mais tarde, já durante o Império, o cruzeiro seria substituído por outro de dimensões menores. Atualmente existe uma cruz no mesmo local, mas não é o cruzeiro histórico, e sim uma réplica que foi erigida durante o comando do então Coronel Carlos Patrício Freitas Pereira. O cruzeiro deu nome à Santa Cruz, e em volta dele festejava-se, no mês de maio de cada ano, o "Dia da Sagração da Santa Cruz", com a participação da população local, inclusive dos escravos. A festa possuía o seu lado sagrado e o seu lado profano. Havia missas, bênçãos, ladainhas, reza do terço e procissão. À noite, no grande terreno em frente à igreja dos padres jesuítas, era a vez dos escravos se divertirem. Como não havia luz elétrica naquela época, eles usavam lampiões e centenas de archotes espalhados em toda a área. Ali cantavam e dançavam, comemorando a festa religiosa do dia.
2- Início do Povoamento
Santa Cruz começou a ser povoada em meados do século XVI. As terras faziam parte da antiga sesmaria de Guaratiba, que foi desmembrada em nome de Martim Afonso de Souza, no dia 16 de janeiro de 1567, para contemplar Cristóvão Monteiro, que se considerou merecedor das terras por ter ajudado na fundação da cidade do Rio de Janeiro, combatendo contra índios e franceses. Cristóvão Monteiro, que mais tarde seria ouvidor-mor da Câmara do Rio de Janeiro, instala-se na região como o primeiro proprietário português das terras que se tornariam a famosa Fazenda de Santa Cruz. Logo mandou construir um engenho e uma capela no local conhecido como "Curral Falso". Com a morte de Monteiro as terras são herdadas por dona Marquesa Ferreira, sua viúva e por Catarina Monteiro, sua filha. Em dezembro de 1589, a parte que coube à dona Marquesa passa a pertencer aos jesuítas mediante uma doação intervivos, como esmola aos padres de Santo Inácio, com um pedido especial de intercessão pelas almas do finado Cristóvão e da Própria dona Marquesa. No ano seguinte, 1590, os padres conseguiam obter a parte de Catarina Monteiro, trocando por outras propriedades em Bertioga, no caminho de São Vicente, São Paulo. Este foi o início do povoamento de Santa Cruz, que começou com Cristóvão Monteiro e foi se consolidando com a efetiva ocupação do território pelos padres jesuítas, que expandiram a área da sesmaria adquirindo terras vizinhas até alcançar dez léguas quadradas. A fazenda ia de Sepetiba até Vassouras, abrangendo também o atual Município de Itaguaí.
3- Ponte dos Jesuítas
A ponte foi construída sobre o rio Guandu e funcionava como uma ponte-represa, dotada de um sistema de comportas que podiam ser manejadas para o controle do fluxo das águas, principalmente nos períodos das chuvas mais intensas. Logo após a drenagem do excesso de água plantava-se o arroz nos campos para aproveitar a fertilidade do solo deixada pelos húmus. Enquanto o arroz crescia, os pastos eram preparados nos pontos mais altos e secos, onde se distribuía o gado. Santa Cruz chegou a alcançar 13 mil cabeças de gado distribuídas em 22 currais, todos cercados. A ponte, que fazia parte de um complexo sistema de drenagem, irrigação e barragem das águas do rio Guandu, alem da sua importância econômica para Santa Cruz, possui também um significado artístico, pois é ornamentada por colunas de granito com capitéis em forma de pinhas portuguesas, tendo na parte central, uma espécie de brasão com o símbolo da Companhia de Jesus (IHS), a data de 1752 e o seguinte dístico em latim clássico: "Flecte genu tanto sub nomine flecte viator". "Hic etiam reflua flectitur amnis acqua". ( "Dobra o teu joelho diante de tão grande nome , dobra-o viajante. Porque também aqui refluindo as águas, se dobra o rio".)
4- A chegada da Família Real
Com a expulsão dos padres jesuítas em 1759, todas suas propriedades foram confiscadas pelo governo português. Assim, com a chegada da Família Real em 1808, Santa Cruz passou a ser uma residência opcional da realeza de Orleans e Bragança. Muitas obras de melhoramentos foram executadas. O antigo convento dos padres foi reformado e adaptado para funcionar como palácio. A estrada que ligava a Fazenda ao atual bairro de São Cristóvão foi melhorada e até mesmo uma linha de diligências passou a entrar em funcionamento. Neste período Santa Cruz recebeu a visita de vários viajantes europeus, como o pintores , botânicos, comerciantes, e mineralogistas, entre os quais podemos citar Langsdorff, Debret, Ender Pohl, Martius, Hidelbrandt, etc. Após a proclamação da independência, a Fazenda recebeu novos melhoramentos, passando a chamar-se Fazenda Imperial de Santa Cruz.
5- O Matadouro de Santa Cruz
Em 1881 foi inaugurado o Matadouro, e a região passou a ser destacada como um importante centro irradiador do desenvolvimento sócio-econômico cultural e político do Rio de Janeiro. Em 1886 o segundo andar do Palacete do Matadouro foi adaptado para funcionar como escola, sob a denominação de Escola de Santa Isabel, como uma forma de prestar homenagem à Princesa Isabel. A escola funcionou até meados da década de 1970 sob várias denominações, até que o prédio fosse desativado, tombado pelo Patrimônio Histórico e destinado a ser restaurado e transformado em Centro Cultural de Santa Cruz. Hoje funciona como Centro Cultural Dr. Antonio Nicolau Jorge, vinculado à Secretaria Municipal de Culturas da Prefeitura do Rio de Janeiro, onde se encontra a Biblioteca Popular Joaquim Nabuco, o Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica e o Ecomuseu do Quarteirão do Matadouro.
6- Núcleo colonial de Santa Cruz
Durante o governo Getúlio Vargas, na década de 1930, a região de Santa Cruz, passou por profundas transformações, com as obras de saneamento objetivando a valorização das terras, com a recuperação da salubridade e do dinamismo econômico, a partir da criação das Colônias Agrícolas. Em 1938 chegaram às terras do antigo curato de Santa Cruz, as primeiras famílias japonesas. Não vieram diretamente do Japão, mas sim de Mogi das Cruzes, Estado de São Paulo, para ocuparem os lotes do recém criado Núcleo Colonial e implementarem novas experiências na agricultura. A história da Colônia Japonesa de Santa Cruz está diretamente ligada às atividades de natureza agrícola. Aqui chegando em 1938, ocuparam os colonos japoneses, lotes distribuídos pelas estradas Reta do Rio Grande e Reta de São Fernando, pondo de imediato mãos nas terras, já tendo produzido naquele mesmo ano após apenas três meses de trabalho, quantidade significativa de alimentos hortícolas. Com o passar do tempo a produção foi sendo diversificada, incluindo frutas, como a laranja e a banana e legumes, como jiló, aipim, abóbora, beringela, couve quiabo, batata doce, batata inglesa, etc. Mas o grande destaque da produção japonesa nas terras férteis do antigo Curato foi sem dúvida a plantação de tomateiros. Experiências agronômicas realizadas nos lotes dos japoneses chegaram a produzir o famoso "tomate Santa Cruz", com suas variedades como o "Santa Cruz CAC", "Santa Cruz IAC", "Santa Cruz Sul Brasil", entre outras. Para que tal experiência pudesse ter resultados satisfatórios muito contribuiu a excepcional qualidade do solo turfoso, em alguns trechos do núcleo, a metodização do plantio, a utilização de boas sementes, o emprego racional de fertilizantes e, principalmente, o trabalho criterioso do colono japonês, incluindo também a inestimável contribuição das próprias crianças que desde a mais tenra idade iniciava, no "jardim de infância da agricultura, trabalhando com os próprios pais, inclusive as mulheres que entre seus afazeres caseiros de cozinheiras, lavadeiras, arrumadeiras, passadeiras, etc., encontravam tempo para trabalhar nas sementeiras, na colheita e seleção de produtos e até mesmo nas atividades mais cansativas, como se pode constatar através de fotografias da época existentes na Colônia de Santa Cruz.
7- Santa Cruz Industrial
Com o intenso desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro, ocorrendo em todas as direções, é criada em Santa Cruz a Zona Industrial, provocando igualmente a sua urbanização, a exemplo da construção dos conjuntos habitacionais populares. Aqui estão localizados os três importantes distritos industriais de Santa Cruz, Paciência e Palmares, onde se encontram em pleno funcionamento a Casa da Moeda do Brasil, Cosigua (Grupo Gerdau), Valesul, White Martins, Glasurit, Continac, Latasa, etc. Todas as transformações ocorridas em Santa Cruz, ao longo das sucessivas décadas, contribuíram para acelerar o processo de descaraterização paisagística com o desaparecimento de muitos dos seus bens culturais, ainda assim convém citar algumas iniciativas isoladas das instituições e pessoas que contribuem para a divulgação da história local e preservação do patrimônio arquitetônico. É o caso do historiador Benedicto Freitas, que já publicou cinco livros sobre a História do Bairro, do NOPH (Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica) fundado em 1983, da Base Aérea de Santa Cruz, cujo comandante propôs o tombamento do Hangar construído para Zeppelins e do Batalhão Escola de Engenharia – Batalhão Villagran Cabrita, que mantém em pleno funcionamento, abertos à visitação pública, um memorial em homenagem do Patrono da Engenharia, um pequeno museu, uma galeria de quadros, com reprodução das gravuras antigas, do Palácio Real e Imperial de Santa Cruz, a réplica do cruzeiro histórico, canhões colônias e o marco de granito da Fazenda.
8- Santa Cruz hoje
Santa Cruz faz parte da jurisdição da 19a Região Administrativa, que inclui também as regiões de Paciência e Sepetiba. Com uma área territorial de 163,73 Km2, com 1406 logradouros e 2.456.509 m2 de área construída, Santa Cruz vai adquirindo características de cidade, com uma população bem superior a 314.000 habitantes, um comércio bem desenvolvido, com várias agências bancárias e inúmeras e diversificadas lojas, um sistema educacional que atende satisfatoriamente à demanda, com 97 escolas municipais, alguns colégios, estaduais, dezenas de colégios e escolas da rede particular de ensino e a sua primeira instituição de ensino universitário, FACULDADE MACHADO DE ASSIS, oferecendo cursos de Letras, Matemática, Ciências Contábeis, Administração e Turismo. Há também unidades universitárias da Faculdade da Cidade (UniverCidade) e da Universidade Estácio de Sá. Embora não esteja funcionando plenamente, o Hospital Estadual Dom Pedro II foi planejado para servir como hospital de referência para tratamento de queimaduras. Na região existem postos municipais saúde e diversas clínicas particulares. Na área de segurança, além das duas grandes unidades militares da Forças Armadas (Base Aérea de Santa Cruz e Batalhão Escola de Engenharia) a região conta com uma Delegacia Policial, um Destacamento de Corpo de Bombeiros, um Batalhão da Policia Militar e diversos destacamentos da PM instalados em conjunto periféricos . O Fórum de Santa Cruz funciona com diversas Varas Jurídicas. Devido ao rápido crescimento urbano, o sistema viário vai exigindo urgentes providências, como a construção de uma rodoviária, novos viadutos sobre a estrada de ferro e ampliação dos logradouros que fazem a interligação da avenida das Américas com a avenida Brasil. O transporte ferroviário, apesar de sua precariedade, ainda é bastante usado pela população, mas já existem algumas linhas de ônibus que ligam Santa Cruz ao centro do Rio de Janeiro, como também aos municípios de Itaguaí, Seropédica, e Angra dos Reis. Sob o ponto de vista eclesiástico, Santa Cruz possui as paróquias de Nossa Senhora da Conceição, a maior, mais imponente e que reúne a população residente no centro do bairro, dos Jesuítas de Paciência, Sepetiba, Palmares Areia Branca, Nossa Senhora da Glória (Curral Falso) e diversas capelas espalhadas pelos conjuntos residências e localidades adjacentes. Tem crescido bastante o número de templos evangélicos na região, que também possui centros espíritas e igrejas de outros credos. A Biblioteca é um dos espaços destinados à pratica do lazer cultural. Existem bibliotecas particulares, clubes desportivos, 67 praças e 4 largos, fazendo um total de 184.572 de área destinada aos parques e jardins, o que é muito pouco para uma população de quase 314 mil habitantes, segundo dados do IBGE do Censo Nacional de 2000.
No segundo Governo do Prefeito Cesar Maia, o bairro passou por significativa transformação urbanística a partir do Programa Rio Cidade Santa Cruz. Além das obras de embelezamento foram realizadas intervenções na rede de esgoto da parte central e no sistema de iluminação e sinalização.
Em 2004 foi inaugurada a Cidade das Crianças Leonel Brizola, que funciona como Parque Temático da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, destinado, em especial, às crianças e adolescentes. Também já se encontram em pleno funcionamento a Vila Olímpica e a Lona Cultural Sandra de Sá, duas novas opções para a prática do lazer cultural pela população. Há também um posto de atendimento e informações turísticas, localizado na entrada da avenida Padre Guilherme Decaminada e final da Avenida Brasil e uma exposição permanente de textos, documentos e objetos históricos produzidos em três dimensões, na Rua Felipe Cardoso, a principal do bairro, dentro do Programa “Uma Rua conta a sua História.”
SINVALDO DO NASCIMENTO SOUZA
Coordenador do Curso de Turismo
Faculdade Machado de Assis